A propósito do recente Dia Mundial da Doença de Alzheimer e do Dia Mundial da Saúde Mental, que se assinala este mês, venho sublinhar a importância de se saber mais sobre as doenças mais invisíveis da nossa sociedade. Infelizmente, as doenças do foro mental são muitas vezes varridas para debaixo do tapete, quando somos confrontados com elas. Por ignorância, por vergonha ou por medo de que um dia nos toque a nós. Do lado dos doentes, são frequentes os sentimentos de isolamento e estigmatização. Do lado dos cuidadores, os de impotência e desespero. Por isso, o papel da comunicação social é essencial para desfazer mitos e tabus, dando em troca informação preciosa.  Como jornalista, mas a título pessoal, convido-vos a fazer uma experiência:

Tentem imaginar que um dia acordam e descobrem um desconhecido a entrar em vossa casa, com chave, a insistir que é vosso filho ou filha, apesar de vocês terem a certeza absoluta de que nunca viram aquela pessoa antes. E que essa pessoa, por mais bem-intencionada que até pareça, agora controla todos os aspetos da vossa vida: mete-vos medicamentos na boca, que vocês não se lembram de terem sido prescritos por um médico; tira-vos todos os cartões da carteira "para vossa segurança"; contrata outra pessoa desconhecida para vos vigiar 24 horas por dia; insiste que vocês fizeram e disseram coisas, que vocês sabem perfeitamente que nunca aconteceram. Parece o argumento de um thriller psicológico, daqueles que inspiram teorias da conspiração e que no final do filme dão sempre razão ao protagonista - de quem todos se arrependem de ter duvidado desde o princípio.

Agora pensem que ter Alzheimer é viver dentro deste filme o resto da vida, mas sem nunca chegar ao tal fim redentor. O argumento vai mudando de pessoa para pessoa, mas a fórmula é a mesma.

Quando vi o filme "O Pai", que valeu um Óscar a Anthony Hopkins, o que mais me impressionou foi o facto de colocar o espectador no ponto de vista do doente de Alzheimer. É um ponto de vista em que a maior parte das pessoas não pensa. Só para quem está de fora é que o Alzheimer tem a ver com falta de memória. Para quem está por dentro, tem a ver com falta de confiança nos outros. O doente de Alzheimer pensa que os outros é que têm falta de memória! Ou pior ainda, estão a mentir-lhe e a drogá-lo, para o fazer passar por louco.

Há oito anos que sou cuidadora de uma doente de Alzheimer, a minha mãe. Sou filha única e ela é viúva, por isso depende totalmente de mim. A doença começou devagarinho, com as frequentes falhas de memória que denunciam o início do Alzheimer, mas progrediu para um estado de profunda negação por parte da minha mãe. Quando mais doente ficava, mais convencida estava de que não estava doente. E que todos em seu redor a tentavam enganar. Paranoia, desconfiança, agressividade e até violência tornaram-se recorrentes, sobretudo em relação às pessoas mais próximas. Sobretudo em relação a mim. 

Eu achava que ia sofrer muito no dia em que ela já não se lembrasse de mim. Mas pior que isso, foi o dia em que ela me olhou nos olhos, cheia de fúria, e me disse que já não era filha dela, porque acreditava piamente que a estava a tentar envenenar, que a queria fazer passar por louca, que a queria roubar - sem se lembrar que há anos era eu que sustentava as duas. Senti-me órfã nesse momento. Órfã de uma mãe viva. Ela ainda me reconhecia... mas eu é que já não a reconhecia a ela. Felizmente, com o passar dos anos, descobri a medicação certa, o neurologista certo, o apoio certo. A memória que ela perdeu já não volta, sei bem. Mas consegui que a paranoia desaparecesse. Hoje em dia, ela confia totalmente em mim como dantes. Mais até. Eu sou o seu disco externo, a sua memória de bolso. E já não se sente frustrada, mas em paz, por se ter libertado desse peso de puxar pela cabeça. Enquanto não houver cura para o Alzheimer, é essa a única meta a que nós, cuidadores, podemos aspirar. Mantê-los felizes o máximo de tempo possível. Para que passem a viver dentro de um filme muito mais bonito.

Espero que tenham gostado da experiência e que consigam tirar algum benefício da minha.