Em Bruxelas sobram elogios para a Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, que confirmou que os Portugueses têm vocação para o jogo da diplomacia.  Para o ilustrar, partilho convosco uma pequena história de bastidores, que começa com uma ideia do chefe de governo português.

"Vamos criar um Flaggate?", lançou. "Desculpe, o quê Sr. Primeiro-Ministro?", respondeu o operacional mais experimentado do gabinete. Até ele ficou admirado com o plano do chefe.

A Europa e o mundo tinham acabado de assistir ao Sofagate. Numa reunião política de alto nível em Ancara, a alemã Ursula von der Leyen, a primeira mulher a presidir à Comissão Europeia, foi deixada de pé e relegada depois para o sofá enquanto os dois homens na sala, o Presidente turco e o Presidente do Conselho Europeu, se alapavam às duas únicas cadeiras.

As imagens escandalizaram, pelo aparente machismo, e o Primeiro-Ministro decidiu dar um lugar de destaque à Presidente da Comissão na cimeira social que organizava na cidade do Porto. E certamente, no processo, queria também agradar à poderosa mulher que vai assinar os cheques milionários da 'bazuca' europeia para Portugal.

A ideia era ter duas mulheres na imagem forte do encontro. Com esta coreografia: a campeã olímpica Rosa Mota/entra em corrida/em plena reunião dos 27 chefes de estado e de governo/transporta a bandeira da União Europeia/dá uma volta à sala/para junto da cadeira de von der Leyen/as duas erguem (triunfais) a bandeira das 12 estrelas.

Problema. Convencer a equipa de protocolo do belga Charles Michel, desconfiada de represálias pelo que aconteceu em Ancara.

Nas reuniões preparatórias, o homem do Primeiro-Ministro usou todo o seu jogo de cintura:
 

"A Rosa Mota entra na sala e faz uma fotografia com o Presidente do Conselho Europeu. É isso, vai ser um momento alto para as televisões e os fotógrafos."

"E depois?”, inquiriram-no.

"Vai para o outro lado da sala e depois a cerimónia termina." respondeu.

Muito bem. Passou.

Fazer a equipa da Comissão Europeia aceitar o verdadeiro plano foi bem mais fácil. A chefe de protocolo do Berlaymont - que recebera instruções estritas para não se repetir a humilhação da Turquia - pegou no telemóvel e ligou, no instante, para Bruxelas.

"Yes, of cooursee...", aceitou a própria von der Leyen com a voz derretida.

Os políticos, em particular os de Bruxelas, sabem aproveitar uma oportunidade e conhecem a importância dos símbolos.

Às vezes demasiado.

No dia da cimeira do Porto, Ursula - uma mulher diminuta, mas desportista e em grande forma física - apareceu com uns sapatos moles e confortáveis. Foi preciso desfazer o equívoco rapidamente.

"A ideia não é a Sra. Presidente correr com a bandeira...".

O resto correu exatamente como planeado. O texto da reportagem da TVI escreveu-se sozinho, para o vídeo perfeito de 15 segundos emitido pela organização:

"O objetivo da cimeira foi celebrado no pavilhão Rosa Mota, com a própria campeã olímpica e a Presidente da Comissão Europeia a puxarem pela bandeira europeia dos direitos sociais..."

De Charles Michel nem uma imagem passou nas televisões europeias.

Os seus assessores na sala, percebendo imediatamente a derrota, fulminaram o homem do Primeiro-Ministro com os olhos.

Mas não havia mais a fazer. Xeque-mate no jogo das cadeiras e bandeiras.