Na AMI apurámos recentemente os números do trabalho de ação social em Portugal no primeiro semestre deste ano e é inegável que a nossa luta contra a pobreza e a exclusão social não pode ter tréguas e está longe de terminar.
No primeiro semestre de 2025, mais de 60% das 6.233 pessoas que recorreram aos serviços sociais da AMI encontravam-se em idade ativa, entre os 21 e os 66 anos, sendo que 981 procuraram o apoio da AMI pela primeira vez.
São pessoas como nós, com sonhos, objetivos, preocupações, que saem todos os dias para trabalhar, mas cujos rendimentos não são suficientes para que poderem viver condignamente. São maioritariamente portugueses (73%), têm baixas habilitações literárias, e as mulheres continuam a representar a maioria (52%) da população acompanhada. E o que é distingue estas pessoas de cada um de nós? Absolutamente nada. Apenas a sorte (ou o azar) de estarem mais próximos do limiar da pobreza e de enfrentarem circunstâncias de vida que lhes dificultam reerguerem-se e reintegrarem-se na sociedade. Mas repito, são pessoas como nós e ninguém nos garante que não nos possa acontecer um dia. É, por isso, fundamental, que a solidariedade e a empatia imperem, e que todos trabalhemos em conjunto por um futuro melhor e mais justo.
Escrevi-o há mais de 20 anos e continuo a acreditar: "Os desafios que a Humanidade tem de enfrentar são enormes mas tenho a convicção de que os cidadãos saberão responder positivamente no que diz respeito ao combate sem tréguas à pobreza e à exclusão social e também numa luta sem quartel contra toda a forma de intolerância. Num mundo em que a ausência de políticas corajosas gera a ausência de causas, estou convicto que uma sociedade civil forte e ativa saberá lutar por essas causas, as eternas causas universais, as causas dos valores."
O número de pessoas em situação de sem-abrigo apoiadas pela AMI atingiu, neste primeiro semestre, 777 pessoas, tendo-se registado 157 novos casos e 319 foram apoiadas pelas Equipas de Rua da AMI, o que representa um aumento de 3% em relação ao 1º semestre de 2024.
Sempre o disse e não me cansarei de repetir: nunca nenhum cidadão poderá dar-se por satisfeito e dormir tranquilo enquanto um único dos seus concidadãos viver na pobreza! O que acabo de dizer tem ainda maior relevância no mundo em que vivemos; a luta pela segurança, tão na ordem do dia, não surtirá nenhum efeito duradouro se simultaneamente não trabalharmos também afincadamente para acabar com a pobreza e a injustiça social no nosso País e no Mundo!
Sempre que sinto mais dificuldade em levantar-me de manhã, porque o cansaço também se faz sentir, vêm-me à memória muitas pessoas cujas vidas a AMI conseguiu transformar e é nesse momento que a fadiga ou o desânimo se esbatem e me levanto sem hesitações, porque essas memórias relembram-me que o trabalho da AMI é maior do que qualquer um de nós e não pode nunca parar!
Espero que este Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, assinalado a 17 de outubro, seja também um pretexto para alertar para a importância de abraçarmos o “Ser” em detrimento do “ter”.
O “ter” é ilusão, é pura aparência, é efemeridade, é indiferença, é intolerância, é enfermidade, é solidão. O “ter” não tem esperança porque se esgota nele próprio, alimenta-se dele próprio, exigindo sempre mais “ter”! “Ser” é humanidade, consciência social, livre arbítrio, liberdade, igualdade, fraternidade, solidariedade, cultura, preocupação ambiental, ecumenismo, tolerância, aceitação e preocupação pelo outro...
Não será fácil a opção, mas é certamente gratificante a satisfação de sabermos que, no mais íntimo do nosso ser, estamos no caminho certo, estamos a dar o nosso contributo para a criação da Paz e da Harmonia entre os seres humanos.
Existe um caminho, ainda que longo. E ele está em cada um de nós. Não é possível nem admissível que cada um continue no seu trilho sem olhar para o que se passa ao lado. É fundamental, por isso, promover uma cidadania crítica, em permanente alerta, atenta e interventiva, pois o exercício de uma cidadania ativa e consciente traz benefícios que vão muito além do que, à partida, se espera. Um futuro melhor e mais justo depende de cada um de nós!
Prof. Doutor Fernando de La Vieter Nobre - Fundador e Presidente da Fundação AMI