As notícias recentes sobre a limitação do acesso a redes sociais de políticos conhecidos ou de cidadãos anónimos, em nome de uma suposta preservação de padrões de participação nesses meios, recusando a mentira deliberada, o racismo ou o incitamento à violência, dão que pensar aos defensores da liberdade de expressão. Essas restrições, decididas por gestores anónimos das plataformas, deveriam nomeadamente proteger a qualidade da democracia e a defesa dos direitos humanos, e permitir que as novas formas de participação e discussão não tragam o risco de desagregação do próprio sistema democrático. Ora eu não tenho essa fé na ideia de que as redes, se adequadamente geridas, dispõem de potencial para assegurar a superação de todos os défices da democracia.

Não há dúvida de que elas permitem a divulgação da opinião dos anónimos e dos “desqualificados pelo sistema”, mas esse facto não tem tido uma tradução significativa, por exemplo, no aumento da participação eleitoral. Também é verdade que esses novos meios podem compensar uma espécie de sub-representação de interesses visível em várias democracias, como acontece com os deserdados da globalização e da digitalização, ou mesmo com as classes trabalhadoras no sentido clássico. Contudo, o certo é que os riscos de manipulação política aumentaram, seja por razões de natureza técnica, seja porque favorecem o tribalismo e o desconhecimento das correntes de opinião alternativas.

As redes sociais são, por natureza, “igualitaristas”, no sentido de que dão oportunidades iguais, desde logo, à verdade e à mentira, à ciência e às teorias da conspiração. Não parece fácil transformá-las naquilo para que nunca foram pensadas - são comunitárias, não podem ser controladas por instâncias desconhecidas ou por pessoas deslegitimadas e desqualificadas, nesse sentido. Se quisermos realmente atacar a manipulação, o ódio e a mentira presentes no discurso político, precisamos antes de modificar os sistemas legais e os aparelhos judiciais, precisamos de mudar a cultura dos juízes e dos procuradores. Mas ainda estamos muito longe de uma solução aceitável.

Por isso me preocupam bem mais os problemas que atualmente vivem os media tradicionais, relacionados com o declínio de modelos de negócio e com as mudanças de preferências dos públicos; esse é verdadeiramente um dos problemas mais sérios da democracia liberal. Certamente encontramos muitos defeitos nos media tradicionais, nas televisões e nos jornais, especialmente em matéria de informação. Mas esse mundo imperfeito, apesar de tudo, fornece-nos ainda padrões visíveis e instrumentos de controlo, mesmo quando estão objetivamente ancorados numa corrente ideológica ou partidária. Conhecemos a propriedade, conhecemos as correntes filosóficas ou políticas para que pendem, conhecemos o trajeto e o pensamento dos jornalistas. Temos, enfim, um conjunto de filtros que podemos utilizar com razoável eficácia. Mesmo quando cedem ao politicamente correto - e mesmo quando “censuram”, nessa linha -, o cidadão médio dispõe de filtros para relativizar e julgar a informação produzida.

Como acontece em todas as evoluções do mundo, certamente chegaremos a plataformas digitais e redes muito mais perfeitas e sofisticadas, que assegurem de forma equilibrada a qualidade da informação e o acesso à participação. Enquanto isso não acontece, a nossa obrigação - de cidadãos, de políticos, de comentadores, de jornalistas e de proprietários de media - é a de contribuirmos para a sustentabilidade dos meios tradicionais, para a sustentabilidade dos seus modelos de negócio. Protegendo legal e financeiramente os seus conteúdos e os seus direitos autorais, lutando contra toda a espécie de “pirataria”. Podem não satisfazer todas as nossas ambições de participação cívica e de democracia; mas, por hora, ainda não se lhes conhecem alternativas aceitáveis.