Quando cheguei aos Estados Unidos, em 1984, não havia internet, nem redes sociais. A televisão por cabo estava a dar os primeiros passos e havia apenas um canal de notícias – CNN – fundado em 1980.

Nas redações portuguesas, a agência internacional mais comum era a France Presse (AFP). A Associated Press (AP) era subscrita pela ANOP (hoje LUSA) e pouco mais. Nesse contexto, o trabalho de um correspondente era relativamente fácil: enviar para Portugal as notícias do dia, dos Estados Unidos.

Quando se multiplicaram os canais noticiosos americanos, que, a seu tempo, chegaram à rede de cabo portuguesa, sempre com a CNN à frente, as redações portuguesas sabiam o que se passava ao mesmo tempo que o correspondente. O correspondente deixou de ser quem escrevia as notícias para ser quem as explicava, quer se tratasse do arcaico sistema eleitoral, do fragmentado sistema de governo, de como vivem os cowboys de hoje, ou por que existe a pena de morte.

Com o advento das redes sociais, das assinaturas digitais de jornais e canais de televisão, e da criação de sites noticiosos globais, o papel do correspondente sofreu nova mutação. Teria, agora, não apenas de explicar as notícias, como de as contextualizar para as suas audiências, como, não menos importante... para obviar a que quem seguisse Donald Trump, no Twitter, ou recebesse newsletters de jornais americanos, caísse na armadilha de se considerar suficiente e completamente informado.

Esse trabalho mantém-se e define, em parte, o correspondente dos dias de hoje. A vivência, a tempo inteiro, como americano, da realidade do país, providencia uma visão mais profunda do que a possível para quem os Estados Unidos são uma de muitas preocupações diárias, sem dedicação exclusiva.

Contextualizar, analisar, de algum modo cozinhar mentalmente os milhentos dados do dia-a-dia de um país do tamanho de um continente (a distância entre Lisboa e Moscovo é, sensivelmente, a mesma que entre Nova Iorque e Los Angeles), é hoje mais crucial devido ao veneno que se espalha, como fogo na pradaria, nas redes sociais, com os seus milhares de páginas mal-intencionadas e milhões de informações falsas.

Mais do que nunca, o correspondente em dedicação exclusiva – e o seu conhecimento da realidade local – é crucial para ajudar a separar o trigo do joio e fazer uma autêntica tradução da cultura americana para português como parte do dia-a-dia noticioso, dando-lhe credibilidade e aumentando a qualidade da informação. Simultaneamente, tornou-se mais importante dar atenção noticiosa à diáspora lusa e luso-descendente, ainda que mais por motivos de afinidade emocional do que exigência editorial. O trabalho de um correspondente está em evolução constante e não me surpreenderia que, em menos de uma década, mudasse outra vez.