Superproduções como “Cacau”, ou “Ouro Verde”, potenciam as nossas chances de concorrer diretamente com os melhores do mundo, tal como o Brasil ou Turquia. E arrecadar prémios internacionais de relevo que nos trazem prestígio e valor. Contudo, são cada vez mais difíceis de viabilizar isoladamente. Sobretudo, quando falamos de TV generalista privada, onde a produção de ficção está diretamente ligada às receitas publicitárias arrecadadas (cada vez mais dispersa entre plataformas). Uma realidade que se agrava quando falamos de mercados pequenos como Portugal. Que não nos permite sonhar com o formato ideal de novela, falando do que tem sido o “carro-chefe” da ficção no nosso país.

Nenhuma história precisa de mais de 120 episódios para ser contada. Mas se nem a TV Globo, com a estrutura que tem, e num país com mais de 200 milhões de habitantes, consegue rentabilizar novelas assim, imaginem nós, com 10 milhões de pessoas, apenas? Se a Turquia o faz, é porque tem um mercado interno altamente competitivo, com audiências que lembram as dos tempos de ouro da TV aberta. Os seus 80 milhões de habitantes, e o facto de tantas mulheres continuarem a ser donas de casa, contribui para a expansão da sua indústria. Um paradoxo. Pelo que temos feito imenso com os orçamentos que temos. Verdadeiras omeletes sem ovos. Só que o desafio que agora se apresenta, é o de passar a ter de fazer omeletes sem, sequer, um fogão para cozinhar as cascas. Situação que ameaça seriamente o nosso setor artístico.

Sem produção de novelas, o retrocesso da nossa indústria seria imediato. Se hoje temos cada vez mais atores nacionais a dar cartas fora do país, é porque Portugal, mesmo com todas as limitações, conseguiu construir uma escola na ficção. A mesma que hoje abre caminho, também, para os autores e realizadores mais talentosos do nosso mercado. Pelo que sim: as superproduções são fundamentais para mantermos a nossa relevância no mercado internacional, e nos vender como players potenciais num negócio que vive cada vez mais de co-produções. Contudo, há que reinventar o modelo da TV generalista, cuja migração para o streaming me parece inevitável. Mas esta mudança exige também que, com urgência, as medições de audiências sejam ajustadas. Pois se é muito fácil perceber a audiência real de um jogo de futebol, que só interessa ver em direto, o mesmo não é líquido para um produto de ficção. As pessoas gostam de ver ficção na hora que querem e não no horário que os canais escolhem. E adoram fazer binging. As boxes já lhes permitem isso, mas esta nova forma de consumir ficção não tem como ter um reflexo real nas audiências. Logo, como o poderá ter nas receitas publicitárias?

Além disso, é fundamental elevar, ainda mais, o nível da ficção que produzimos. Não tenho a menor dúvida que as pessoas querem continuar a vê-la, sobretudo drama. Basta ver os produtos mais vistos do streaming em Portugal. Muita novela disfarçada de série. Muito melodrama. Chegar a estas pessoas é o grande desafio que a TV generalista tem pela frente. Porque o público, com a oferta variada, e de qualidade, de que hoje dispõe, tornou-se mais exigente. Já não aceita produtos sem história, ou cujas tramas se arrastam. Nem produtos mal acabados, sem ganchos, com barrigas, que chegam ensanduichados, sem cuidado artístico ou a parecer low cost. E ainda menos tem paciência para episódios cheios de flashbacks aleatórios, ou para a repetição dos últimos minutos do episódio anterior no início do seguinte. Minutos estes ali colocados intencionalmente para reduzir o preço da emissão. Se queremos ficção nacional com audiência, é preciso, antes de mais, respeitar o público.

As parcerias parecem-me inevitáveis. E aí a TVI já deu um passo positivo com a sua ligação à Prime. Mas é preciso ir mais longe. O que se acabará por traduzir em melhor ficção. Que viajará mais do que atualmente. Representará ainda mais dinheiro para o mercado nacional. E, por sua vez, a produção de ainda mais e melhor ficção. Mas isso só será possível profissionalizando de uma vez a indústria. Esta é a hora da virada. Não só identificando e estabelecendo as parcerias certas, mas também aprendendo a valorizar, captar e reter talentos. Que são a peça-chave na indústria da ficção, como a greve dos argumentistas e atores nos EUA deixou bem claro, recentemente. Não é por acaso que empresas como a Netflix têm como bandeira fundamental, desde a fundação, a importância dos talentos.  Sabiam que no meio da sua maior crise de sempre, a Netlix se viu obrigada a dispensar 1/3 dos seus colaboradores, para sobreviver? Imaginem quem ficou? Não os amigos, ou os mais simpáticos ou animados. Nem sequer os que lá estavam desde a origem. Apenas os mais talentosos e competentes.