Conheci a Eunice em 1993 quando, depois de fazer um casting com o realizador brasileiro Walter Avancini, fui escolhido para interpretar o sobrinho de D. Branca em “A Banqueira do Povo”. Eu tinha 26 anos e estava prestes a contracenar com a maior atriz portuguesa de todos os tempos.

Foi com um misto de entusiasmo e pânico que percebi o que me estava a acontecer. A Eunice tinha 65 anos e estava em plena forma, no auge das suas capacidades, e sabia-o. Tinha um total domínio da sua arte e fazia tudo sem qualquer esforço aparente.

Emanava uma energia régia, de quem tem perfeita noção da sua responsabilidade, do seu poder e do poder que tem sobre os outros. Era suficientemente amável para não nos intimidar, mas nunca perdia de vista o objetivo, o foco, a cena.

Foi um enorme privilégio, dos maiores da minha vida, poder testemunhar o seu brutal talento em ação, a sua capacidade intuitiva e inigualável para fazer as escolhas certas ou para transformar as aparentemente erradas em certas. A relação próxima e cúmplice das nossas personagens acabou por transbordar para a vida real, nascendo, desde aí, uma amizade que dura até hoje.

Voltei a trabalhar com a Eunice em 2007, quando ambos integrámos, juntamente com a maravilhosa Isabel Abreu, o elenco de “Dúvida” de John Patrick Shanley, encenado por Ana Luísa Guimarães, no Teatro Maria Matos. Eunice interpretava a madre superior de uma escola católica, que suspeitava que um padre pudesse ter feito avanços impróprios a um miúdo negro.

Poucos anos mais tarde, surgiu a versão cinematográfica interpretada por Meryl Streep e, acreditem em mim, a Eunice fazia melhor, muito melhor! Voltei a trabalhar com ela em “O Ano do Pensamento Mágico” de Joan Didion, quando, já Diretor do Teatro Nacional D. Maria II, fiz questão de a trazer de volta àquela que, durante tantos anos, tinha sido a sua casa. Entregou-se nas minhas mãos com uma generosidade e confiança que nunca esquecerei.

Voltámos a trabalhar juntos quando aceitou ser a minha musa, a minha diva, na Curta-metragem “Olga Drummond”, um texto escrito e realizado a pensar nos atores seniores e em tudo aquilo que lhes devemos.

Penso que acima de todas estas experiências maravilhosas e do muito que aprendi e continuo a aprender com a Eunice, o que mais prezo é a sua amizade, o seu carinho, o telefonema que, invariavelmente, me faz a perguntar “Como estás?”. Estou bem, Eunice. Tenho saudades suas…